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Policarbonato (PC): História, Estrutura, Processamento e Aplicações Técnicas

pc-1600-1-1024x640 Policarbonato (PC): História, Estrutura, Processamento e Aplicações Técnicas

1. Origens e História do Policarbonato

O policarbonato, um dos termoplásticos de engenharia mais importantes do século XX, tem uma origem fascinante que começa ainda no século XIX.

1.1 Primeiras Descobertas (1898–1930)

Em 1898, o químico alemão Alfred Einhorn, conhecido por descobrir a novocaína, sintetizou uma substância contendo grupos carbonato, porém não reconheceu seu potencial industrial. Durante décadas, a pesquisa com ésteres de carbonato era de interesse puramente acadêmico, sem aplicações comerciais.

Na década de 1930, pesquisadores já começavam a notar que certos polímeros contendo grupos carbonato possuíam alta resistência térmica e impacto, porém a tecnologia de polimerização ainda era primitiva, e o controle da estrutura molecular era ineficiente.


1.2 Desenvolvimento Independente (1953)

A verdadeira virada veio em 1953, quando duas empresas desenvolveram o policarbonato de maneira independente, quase simultaneamente:

  • Dr. Hermann Schnell, na Bayer AG (Leverkusen, Alemanha), sintetizou o Makrolon®, utilizando fosgênio e bisfenol A.
  • Dr. Daniel Fox, da General Electric (GE, EUA), desenvolveu um material semelhante que mais tarde ficou conhecido como Lexan®.

Ambas utilizaram o bisfenol A como principal monômero diol e o fosgênio (COCl₂) como agente de carbonilação, por meio da policondensação interfacial.

1.3 Comercialização

  • 1958: Bayer inicia produção comercial do Makrolon®.
  • 1960: GE lança o Lexan® nos EUA.

A partir dos anos 1960, o policarbonato se destacou rapidamente como um substituto do vidro em aplicações onde resistência ao impacto e transparência eram críticas, como janelas de segurança, capacetes, equipamentos médicos e eletrônicos.


1.4 Avanços Tecnológicos Pós-1980

  • 1980–2000: Novas formulações com resistência a UV, reforço com fibra de vidro e blendas como PC/ABS surgiram.
  • 2000–presente: Foco em biocompatibilidade, livre de BPA, reciclagem de PC e adesivos óticos.

2. Estrutura Química e Propriedades Moleculares

O policarbonato pertence à classe dos poliésteres de carbonato aromático, sendo um termoplástico amorfo. A estrutura base é formada por grupos carbonato (-O-(C=O)-O-) intercalados com unidades de bisfenol A (BPA).

2.1 Fórmula Repetitiva (BPA-PC)

textCopiarEditar[-O-(C6H4)-C(CH3)2-(C6H4)-O-CO-]n
  • (C6H4) = anel benzênico (fornece rigidez e transparência).
  • C(CH3)2 = grupo isopropílico do bisfenol A.
  • CO = grupo carbonila, parte da função carbonato.

2.2 Propriedades Moleculares

  • Massa molar típica (Mn): 20.000 – 40.000 g/mol.
  • Índice de refração: ~1,586.
  • Cristalinidade: Amórfico, o que permite transparência total.
  • Higroscopia: Sim, altamente higroscópico — exige secagem antes da moldagem.

3. Processos de Produção Industrial

3.1 Policondensação Interfacial

  • Reação entre bisfenol A e fosgênio em duas fases (água + solvente orgânico).
  • Catalisadores: Bases como NaOH.
  • Altamente eficiente, permite controle da massa molar.

3.2 Processo por Transesterificação

  • Alternativa sem fosgênio, usando difenil carbonato.
  • Processo mais limpo e ambientalmente aceitável.
  • Utilizado por empresas modernas como SABIC e Covestro.

4. Propriedades Técnicas Detalhadas

PropriedadeValor Típico
Densidade1,20 g/cm³
Temperatura de deflexão (HDT)130 °C a 1,8 MPa
Tg (transição vítrea)147 °C
Ponto de fusãoNão aplicável (amórfico)
Resistência ao impacto (Izod)>850 J/m (sem entalhe)
Resistência à tração65 – 75 MPa
Alongamento na ruptura110 – 130%
Módulo de tração2.300 – 2.500 MPa
Dureza RockwellR118 – R126
Condutividade térmica~0,2 W/m.K
Inflamabilidade UL-94V-2 a V-0 (com aditivos)
Transmitância óptica88 – 92% (luz visível)

5. Tipos e Classificações Comerciais

  • PC virgem: uso ótico, médico e alimentos.
  • PC resistente a UV: coberturas externas.
  • PC reforçado com fibra de vidro: aplicações estruturais.
  • Blenda PC/ABS: automotivo, carcaças, baterias.
  • PC reciclado: menor custo, menor transparência.
  • PC grau médico: esterilizável em autoclave.
  • PC com coating antiabrasivo: viseiras, escudos, displays.

6. Aplicações Técnicas por Setor

6.1 Automotivo

  • Lentes de faróis (grau ótico).
  • Painéis internos.
  • Componentes elétricos (sensores, conectores).
  • Tanques de fluido e peças do motor (com blendas).

6.2 Construção Civil

  • Chapas compactas e alveolares para coberturas.
  • Vidros de segurança.
  • Cortinas industriais transparentes.

6.3 Segurança e Defesa

  • Viseiras de capacetes (como você fabrica).
  • Escudos antimotim.
  • Barreiras balísticas (níveis leves).

6.4 Eletrodomésticos e Eletrônicos

  • Lentes de LED e lâmpadas.
  • Carcaças transparentes.
  • Peças de cafeteiras e liquidificadores.
  • Sensores, relés, disjuntores.

6.5 Setor Médico e Farmacêutico

  • Instrumentos esterilizáveis.
  • Tubos, frascos e seringas.
  • Componentes de máquinas de diagnóstico.

7. Processamento por Injeção – Parâmetros Avançados

7.1 Pré-secagem obrigatória

TemperaturaTempoUmidade final ideal
110–120 °C3 a 6 horas< 0,02%

7.2 Parâmetros de injeção

ParâmetroFaixa típica
Temperatura do cilindro270 – 320 °C
Molde80 – 120 °C
Pressão de injeção800 – 1300 bar
Velocidade de injeçãoAlta (preenchimento rápido)
Contra-pressão0,5 – 1,0 MPa
Tempo de resfriamento10 – 30 segundos
Tempo de ciclo25 – 60 segundos

Observação técnica: Peças finas ou com alto brilho (como viseiras) exigem injeção por posição controlada, para evitar marcas de fluxo e bolhas.


8. Reciclagem e Sustentabilidade

  • Código de reciclagem: 7 (outros).
  • Pode ser reciclado mecanicamente.
  • A contaminação por ABS ou PET prejudica a transparência.
  • Alternativas livres de BPA estão em desenvolvimento (Tritan™, por exemplo).
  • Empresas como SABIC e Covestro já produzem PC com conteúdo reciclado.

9. Conclusão

O policarbonato é um polímero de engenharia de alta performance, com propriedades únicas que combinam resistência mecânica, ótica e térmica. Desde a sua origem nos anos 1950 até os avanços atuais com reciclagem e blendas funcionais, o PC continua sendo um material essencial na indústria moderna.

O domínio completo do processamento do policarbonato é fundamental para quem atua com peças técnicas, como viseiras de capacetes, painéis automotivos ou componentes eletrônicos. Com conhecimento profundo dos parâmetros de injeção, secagem, tipos de blendas e limitações térmicas, é possível alcançar resultados com qualidade de nível internacional.


Autor: Plástic 360.

Jeckson Luiz é preparador e regulador de máquinas injetoras, estudante de Técnico em Plásticos e redator do blog Plástic 360, onde compartilha conhecimento técnico e prático sobre o universo dos polímeros e o dia a dia da indústria de transformação plástica

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